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18
outubro
2017

Você sabe o que é um Cartel e o que fazer ao identificar uma situação dessas em licitações?

Semana passada a Advocacia Geral da União (AGU) manteve, junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), a validade de uma multa milionária aplicada à Shell do Brasil (atual Raizen Combustíveis), por prática ilegal de Cartel. Resultante de julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a aplicação da penalidade teve por base a existência de provas que demonstraram que a citada empresa e seus representantes instruíram donos de postos revendedores de combustíveis a praticarem o mesmo preço. 

No processo administrativo, foi constatada a ocorrência de infração contra a ordem econômica (com base nos arts. 20 e 21 da Lei 8.884/94, em vigor nos anos de prática do cartel). As infrações ocorreram entre novembro/1999 e abril/2003, nas cidades de Bauru/SP e Marília/SP.

Você sabe o que é um Cartel?

Pela definição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT):

O cartel é considerado a pior conduta anticoncorrencial, a mais grave lesão à ordem econômica e à concorrência, pois acarreta prejuízos significativos ao mercado com o aumento de preços e a restrição da oferta, algo que torna os bens e serviços mais caros ou indisponíveis. Nasceram na Idade Média (com as corporações de ofício chamadas “guildas” ou “mesteirais”), e tiveram crescimento durante a Revolução Industrial. Os cartéis geralmente ocorrem em mercados oligopolísticos, com um número pequeno de empresas e produtos normalmente homogêneos. Mas na prática sua operação se dá como um monopólio (como se o grupo de empresas fosse uma empresa só).

“Ao artificialmente limitar a concorrência, os membros de um cartel também prejudicam a inovação, impedindo que novos produtos e processos produtivos surjam no mercado. Cartéis resultam em perda de bem-estar do consumidor e, no longo prazo, perda de competitividade da economia como um todo. Segundo estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10 e 20% comparado ao preço em um mercado competitivo, causando prejuízos de centenas de bilhões de reais aos consumidores anualmente”.

Para a Secretaria de Direito Econômico (SDE) - Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Cartel é:

Qualquer ato que tenha por objeto ou efeito limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa pode ser considerado ilícito administrativo, além de poder configurar crime.

Um cartel pode envolver as seguintes práticas:
(a) fixação de preços, por meio da qual as partes definem, direta ou indiretamente, os preços a serem cobrados no mercado;
(b) estabelecimento de restrições/quotas na produção, que envolve restrições à oferta ou produção de bens ou serviços;
(c) adoção de prática concertada com concorrente em licitações públicas (e.g., combinação quanto ao teor de cada uma das propostas); e
(d) divisão/alocação de mercados por áreas ou grupos de consumidores.

Os participantes de cartéis sabem que estão cometendo um ilícito e, por isso, se valem de manobras que criam obstáculos à sua detecção. A comunicação entre os membros do cartel ocorre, via de regra, de maneira sigilosa e com poucos rastros, o que dificulta o acesso à prova documental. Daí decorre a importância de um Programa de Leniência que, ao conceder benefícios a um membro do cartel em troca de cooperação, permite a identificação e punição da prática que traz prejuízos substanciais ao consumidor brasileiro (sem grifos no original).

Importante destacar, porém, que a verificação de preços idênticos, como um fato isolado, não é indício suficiente para a caracterização de um cartel, pois além desse dado econômico, é preciso constatar a existência de fatos que envolvam acordos ou combinações entre empresas e empresários sobre seus bens e serviços ofertados ao público.

Os Cartéis nas licitações

No âmbito das licitações e contratações da Administração Pública, o ambiente cartelizado é tipificado como crime. Para configurar-se esse tipo grave de fraude/lesão ou outro tipo de conluio (art. 90 da Lei 8.666/93), deverá haver alguma combinação ou ajuste indevido entre os participantes, com o objetivo de frustrar ou tirar proveito ou benefício impróprio, através deste acordo, perante determinada licitação, garantindo a vitória ou alguma vantagem imerecida aos envolvidos. Em comentários ao dispositivo, assim se pronuncia Marçal JUSTEN FILHO:

A primeira modalidade (frustrar) aperfeiçoa-se através da conduta que impede a disputa no procedimento licitatório. Pode verificar-se inclusive quando o servidor público introduz cláusulas no ato convocatório da licitação, destinadas a assegurar a vitória de um determinado licitante. Mas também envolve qualquer outra conduta praticada por algum sujeito privado (participante ou não da licitação) que disponha de poderes jurídicos ou de condições materiais para impedir a competição inerente à licitação. O tipo penal não se configura quando a conduta conducente à frustração da competição traduzir o exercício regular de um direito. Assim, por exemplo, não se configurará o crime quando uma instituição bancária se recusar a fornecer o financiamento necessário a uma empresa que deseje participar de licitação.

A segunda modalidade (fraudar) envolve o ardil pelo qual o sujeito impede a eficácia da competição.

A Lei refere-se expressamente ao ajuste ou combinação. Normalmente, essa hipótese concretiza-se quando diversos licitantes arranjam acordo para determinar a vitória de um deles. Porém, são criminalmente reprováveis também acordos “parciais”, nos quais os licitantes estabeleçam condições “paralelas” às previstas no ato convocatório.

Não é necessário que haja frustração ou fraude que comprometa a eficácia total da licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos.

O crime aperfeiçoa-se inclusive quando o acordo se destina a excluir da disputa participantes potenciais e inexistir uma definição prévia sobre qual dos concertantes será o vencedor. Esse tipo não se confunde, nem mesmo parcialmente, com o do crime do art. 95, que atinge o comportamento praticado diretamente perante o terceiro (potencial competidor). No caso do art. 90, o ajuste é ignorado pelo terceiro, cuja exclusão se visa a obter mediante ajuste, combinação ou outro expediente. Na hipótese do art. 95, o terceiro é afastado através da fraude praticada relativamente a ele.

A invalidação do certame não exclui a configuração do crime.

Para análise destas participações pela Administração, Saulo ALLE indica a ocorrência de alguns fatos sobre os quais a Administração deve estar bem atenta: “inabilitações por erros grosseiros, mesmo padrão de proposta, fabricante com preço superior (embora possa ser justificado comercialmente), indícios gerais de combinação de preços, etc..” Outra questão levantada e que merece ser analisada é a relação existente entre as empresas, como a existência de troca de informações entre elas, algo que pode configurar possível infração à ordem econômica.

Cumpre salientar, também, que nos termos dos arts. 100 e 101 da Lei 8.666/93, os crimes tipificados nos arts. 89 a 99 são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la, sendo que qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa deste, “fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência” (art. 101).

Objetivando trazer para os cartéis os recursos derivados das manobras e do aumento de preços pago pelo Poder Público, seus membros podem agir de diversas formas nas licitações (inclusive combinando os formatos em uma mesma disputa). Veja alguns exemplos:

- Fixando preços: aumentando-os ou diminuindo-os, para que permaneçam em um patamar base;
- Direcionando a licitação: há prévio acordo entre os participantes sobre qual deles será o vencedor da licitação (e de outras licitações nas quais venham participar, já estando pré-estabelecidos, desde logo, os procedimentos e atuações do grupo);
- Dividindo o mercado: os membros do cartel dividem entre si as licitações que irão participar e assim deixam de concorrer entre si, pois já sabem de antemão qual será a “fatia” de cada um;
- Suprimindo propostas: os outros membros do ajuste deixam de participar de licitações ou retiram suas propostas para que um determinado membro seja beneficiado por essa situação;
- Apresentando propostas “fictícias”, apenas “formais”: nestes casos, alguns membros do grupo apresentam propostas com valores muito elevados (impossíveis à contratação) ou que possuem claros erros e vícios que as desclassifiquem, tudo visando beneficiar determinado licitante pertencente ao acordo, direcionando lhe a licitação;
- Acertando “rodízios”: alternado os membros do acordo como vencedores das licitações das quais o grupo participa;
- Sub-contratando: aqui os membros deixam de participar da licitação ou desistem de suas propostas, visando serem subcontratados pelos vencedores da disputa.

Como proceder?

Havendo situações que demonstrem a formação de cartel, caberá denúncia à SDE, a qual compete combater infrações contra a ordem econômica no âmbito administrativo.

Além desta denúncia, observando indícios, a Administração deverá, ainda, oficiar o Ministério Público, fornecendo informações escritas sobre o fato, a autoria e as circunstâncias em que se deu a ocorrência, ao qual competirá a promoção da respectiva ação penal.

Denúncias sobre a existência de cartéis podem ser efetivadas eletronicamente, via site www.mj.gov.br/sde, clicando no ícone do “Clique Denúncia” (também poderão ser endereçadas por escrito - vide endereço em nota). O interessado não precisa se identificar (sendo-lhe assegurado esse sigilo, caso solicite) e deve fornecer o maior número de informações possíveis sobre a prática do ilícito, especialmente quais são as empresas e pessoas envolvidas.

Ainda, conforme dispõe o art. 47 da Lei 12.529/11, aqueles que se sentirem prejudicados pela prática de cartéis, poderão mover ações de indenização por perdas e danos: “Art. 47 - Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.” 

Empresas que forem convidadas ou coagidas por outras a participar de cartéis devem denunciar imediatamente essa atividade. É possível a celebração de Acordo de Leniência com o CADE, desde que a empresa envolvida preencha os requisitos estabelecidos pela Lei 12.529/11 e colabore efetivamente com as investigações.

Penalidades aplicáveis

A prática de cartel caracteriza crime contra a ordem econômica e pode implicar em pena de dois a cinco anos de reclusão e multa (Lei 8.137/90). Além de crime, o cartel também caracteriza ilícito administrativo (Lei 12.529/11) punível pelo CADE.

No âmbito administrativo, a empresa condenada pelo Cade por prática de cartel poderá pagar multa de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração. Por sua vez, os administradores da empresa direta ou indiretamente envolvidos com o ilícito podem ser condenados a pagar uma multa entre 1% a 20% daquela aplicada à empresa. Outras penas acessórias podem ser impostas como, por exemplo, a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e de parcelar débitos fiscais, bem como de participar de licitações promovidas pela Administração Pública Federal, Estadual e Municipal por prazo não inferior a cinco anos.

Cartel, além de ser um ilícito administrativo, é crime punível com pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa, nos termos da Lei 8.137/90. Para garantir que diretores e administradores sejam punidos criminalmente, vem sendo incrementada de forma significativa a cooperação com os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, a Polícia Federal e Polícias Civis.

A atuação dos agentes públicos é muito importante nestes casos

Pregoeiros e Comissões de Licitação podem auxiliar essencialmente esse trabalho de combate aos cartéis desempenhado pela SDE, colaborando ativamente na punição dessas empresas infratoras: “A contribuição dos agentes públicos de compras tem papel crucial na apuração dos cartéis que atuam nas licitações governamentais. São esses servidores que, em razão de sua proximidade com o processo, podem proporcionar à SDE valiosas provas e evidências. Afinal, em compras públicas, esses agentes são os verdadeiros ‘olhos’ da Administração”.

Sobre o tema, o Tribunal de Contas da União (TCU) orienta que: “... cabe à Comissão de Licitação não apenas receber e julgar as propostas, mas também o exame da regularidade e da legalidade dos licitantes, evitando-se, com isso, a prática de fraudes ou conluios ou outras ações que visem a frustrar o caráter competitivo do certame; (…) as coincidências nos preços de diversos itens e na padronização gráfica, num exame rápido e superficial, evidenciaria a possibilidade de conluio”.

Identificando algum comportamento, fato ou sinal estranho em sua licitação, o servidor deve entrar em contato imediato com a Secretaria, se possível, reunindo e disponibilizando desde logo todos os indícios, informações, provas, documentos e evidências que disponha, para assegurar o acesso aos dados e acelerar a atuação da Secretaria.

“Assim, documentos tais como cópias do edital de licitação, das propostas apresentadas, dos lances e diálogos registrados em sistemas eletrônicos de pregão, de contratos de sub-contratação, dentre outros, podem ser extremamente úteis para fundamentar uma denúncia e auxiliar nas investigações a serem empreendidas pela SDE. Além disso, informações como descrição de comportamento suspeito pelos participantes de licitações ou de outros aspectos que configuram indícios de conluio entre empresas devem ser informados.”

Atenção, então, Pregoeiros e membros de Comissões de Licitação, se surgir algum dos sinais abaixo em suas licitações:

- “As propostas apresentadas possuem redação semelhante ou os mesmos erros e rasuras;
- Certos fornecedores desistem, inesperadamente, de participar da licitação;
- Há empresas que, apesar de qualificadas para a licitação, não costumam apresentar propostas a um determinado órgão, embora o façam para outro;
- Existe um padrão claro de rodízio entre os vencedores das licitações;
- Existe uma margem de preço estranha e pouco racional entre a proposta vencedora e as outras propostas;
- Alguns licitantes apresentam preços muito diferentes nas diversas licitações que participam, apesar de o objeto e as características desses certames serem parecidos.
- O valor das propostas se reduz significativamente quando um novo concorrente entra no processo (provavelmente não integrante do cartel); 
- Um determinado concorrente vence muitas licitações que possuem a mesma característica ou se referem a um tipo especial de contratação;
- Existe um concorrente que sempre oferece propostas, apesar de nunca vencer as licitações;
- Licitantes vencedores subcontratam concorrentes que participaram do certame; e
- Licitantes que teriam condições de participar isoladamente do certame apresentam propostas em consórcio”.

Fonte: sollicita.com.br